A AUTOSABOTAGEM DA INVISIBILIDADE
Já perdi a conta quantos textos, stories ou tweets vi por aí de pessoas que viajam para outro país, ou moram fora, e comentam que uma das melhores coisas é que ninguém te olha. Que você pode usar o que tiver vontade, ser você mesma, e ninguém vai reparar nisso. Já virou quase um clichê. E de fato essa invisibilidade é verdade.
Me mudei para o Canadá faz 4 meses e tenho vivido isso na pele todos os dias. De fato, a não ser que seja para elogiar, ninguém te olha ou fica reparando no que você veste. Tenho certeza que posso usar a mesma roupa todos os dias – como algumas pessoas usam – que não verei nenhum olhar atravessado. Acho realmente que eles nem vão reparar, e não é só uma questão de educação.
Mas queria trazer aqui um outro lado: quando ninguém te olha e você sente o peso da invisibilidade.
Por mais libertador que seja você poder ser e usar o que quiser e saber que ninguém vai se importar ou se incomodar com isso – ou ao menos não vão te deixar perceber o que acham – também existe o outro lado. O lado que a invisibilidade faz a gente se acostumar e cair na mesmice. “Se ninguém vai reparar, pra quê vou pensar tanto nisso?”. Esse é um pensamento que acaba acontecendo. Não tem jeito, é inevitável. Você se pega pensando assim nem que seja pra justificar aquele dia de preguiça onde você praticamente adaptou um pijama pra ir rapidinho ao mercado (quem sempre?).
Aliado à isso, existe uma mudança de estilo de vida que altera até mesmo as suas escolhas de compra. E isso vira também um exercício de autoestima. Desde que nos mudamos, optamos não ter carro e fazemos muitas coisas a pé. Isso me faz olhar mais para sapatos que sejam confortáveis para caminhadas mais longas. Muitas vezes olho para coisas bonitas, como sapatos de salto, com desinteresse. Como se aquilo tivesse perdido a beleza pra mim, por não ter mais função no meu momento atual.
E a vida fica muito chata assim. Coisas bonitas, mesmo que só para olhar, são importantes!
É óbvio que não podemos viver dependendo da aprovação do outro. Se cuidar e se vestir precisa ser algo que fazemos para nós mesmas. Na teoria tudo é fácil e bonito. Mas na prática, vinda do Brasil para um outro país e ainda trabalhando a autoestima, não é tão simples assim. A invisibilidade pesa de verdade.
Todo mundo quer e gosta de ser elogiada, mesmo que a gente não se arrume pra sair de casa esperando por isso. Todo mundo quer causar uma boa impressão. Quer estar adequada, seja ao local, ao clima, à situação. Então quando os olhares deixam de existir e a invisibilidade acontece, a gente vai pensando:
“Ah, pra que caprichar tanto, ninguém nem presta atenção”. E essa é uma armadilha super disfarçada de autossabotagem.
Porque atrás do que pode parecer preguiça, ou até uma busca de autoafirmação atrás do elogio alheio, está a falta de carinho e cuidado se disfarçando de tudo isso. E agora, com base no fato de que você está livre do julgamento alheio por causa da sua aparente invisibilidade. E cair nisso é muito fácil, acreditem. Especialmente no inverno, quando a vontade é sair enrolada no edredom mais quentinho e pronto. Afinal, quem vai se importar, não é mesmo?
Vejo a Carla fazendo exercícios para ser mais criativa com suas escolhas quando vai sair, especialmente em tarefas corriqueiras, como ir buscar o Artur na escola. Achei uma saída interessante de aproveitar o autocuidado e estimular a criatividade. Treinar para não cair na mesmice da roupa mais fácil e ainda por cima, se aproveitar e experimentar novas combinações, já que “ninguém repara”.
Poder se curtir, colocar uma roupa que te agrade, se sentir bem na sua própria pele com a roupa que te deixa feliz com você mesma é um super exercício para a sua autoestima. E ele pode – e deve – ser praticado, não importa onde a gente vive e se a invisibilidade é uma característica local.
Nossa boa relação com a gente mesma acontece nesses momentos de pequenos carinhos, todos os dias. Escolher uma peça de roupa que te deixe feliz. Fazer uma nova combinação. Fugir do lugar comum. Tudo isso faz a gente se sentir melhor, produtiva, criativa e mais feliz. E tudo isso ajuda o processo de nos olharmos com mais amor.