ARTIGO

Entre Muros Invisíveis: Como os Embargos dos EUA à China Estão Redesenhando o Rosto da Publicidade Global

No silêncio estratégico entre duas potências, o mercado treme. Quando os Estados Unidos anunciam novos embargos à China — seja em tecnologia, semicondutores ou plataformas digitais — o impacto não ecoa apenas nas bolsas de valores. Ele reverbera sutil e profundamente no campo simbólico da comunicação: a publicidade.

Vivemos em uma era onde marcas não vendem apenas produtos, vendem narrativas, valores e identidades. E essas identidades estão cada vez mais politizadas. O branding, que antes flertava apenas com o emocional e o estético, hoje se vê envolvido em disputas geopolíticas, obrigado a tomar partido ou a silenciar — e ambos os caminhos têm consequências.

Com os embargos americanos bloqueando empresas chinesas como a Huawei, TikTok e diversas startups de IA, surgem três grandes efeitos no campo da publicidade: a migração de verbas, a redefinição de públicos-alvo e a autocensura criativa.

Migração de Verbas e Plataformas

Campanhas globais antes planejadas para veiculação em plataformas como o TikTok, por exemplo, estão sendo redirecionadas. Agências ocidentais já pensam duas vezes antes de investir em um app que pode ser banido amanhã. Isso cria uma instabilidade que obriga marcas a remodelar toda sua estratégia de mídia — frequentemente de última hora.

Ao mesmo tempo, surgem plataformas “alternativas” — americanas, alinhadas politicamente, ou com apelo de segurança — que prometem estabilidade, mas que ainda não oferecem o mesmo engajamento. Isso representa não apenas um risco comercial, mas também um empobrecimento criativo. O algoritmo do TikTok, por exemplo, revolucionou a forma como contamos histórias. Cortar esse canal é, simbolicamente, cortar uma veia criativa pulsante.

Redefinição de Públicos-Alvo

Empresas globais agora dividem sua comunicação em blocos: o que pode ser dito no Ocidente, o que pode ser dito no Oriente, e o que precisa ser evitado em ambos os lados. É a geopolítica transformada em manual de identidade visual e tom de voz.

Algumas marcas optam por neutralidade, mas em tempos de conflito, a neutralidade também fala — e às vezes grita omissão. Outras tentam surfar a onda do momento, assumindo posturas “patrióticas” em campanhas, o que pode gerar backlash internacional. Afinal, no mundo globalizado, tudo vaza, tudo é printável, tudo é eterno.

A Autocensura Criativa

Agências e departamentos de marketing começam a pisar em ovos. Um roteiro de vídeo, um símbolo em um post, uma referência cultural — tudo pode ser interpretado como posicionamento político. E, de fato, é. Isso tem gerado uma publicidade mais contida, menos ousada, mais genérica.

Em vez de campanhas ousadas e provocativas, temos cada vez mais peças que parecem ter sido aprovadas por um comitê diplomático. A criatividade vai perdendo espaço para a precaução. O risco, que antes era sinônimo de inovação, agora é tratado como uma ameaça legal e política.

No Fim, Quem Perde É a Narrativa

Os embargos não são apenas econômicos. Eles criam fronteiras simbólicas, ideológicas e criativas. Afetam diretamente a forma como as marcas se relacionam com as pessoas. Redesenham o mapa da publicidade global com lápis de censura e régua geopolítica.

Neste novo cenário, o papel do publicitário e do criador de conteúdo é mais complexo do que nunca. Somos tradutores culturais, estrategistas de marca e, cada vez mais, diplomatas da comunicação.

É preciso navegar com coragem. Mas também com consciência de que cada campanha, cada slogan, cada anúncio — por mais “neutro” que pareça — está inserido em uma rede de tensões muito maior do que se vê na tela.