ESTA TÃO DIFICIL VIVER?
Segundo a Organização Mundial da Saúde, 1 em cada 20 pessoas no planeta tem depressão, a maioria mulheres. Especialistas falam sobre as causas para o aumento da doença, divididas entre a genética e o ambiente em que vivemos.
Fiquei pensando nisto, no ambiente em que vivemos. Em quem somos neste ambiente. E em quem éramos antigamente, antes do surto não só da depressão, mas dessa angústia sem nome que não é patológica, mas que, parece, tornou-se crônica.
Comparar a época em que vivemos com as passadas e chegar à conclusão de que o passado é que era bom é uma armadilha – sabemos bem. É fácil reclamar do que vivenciamos e idealizar aquilo que só conhecemos pelos livros. Além disso, todos os períodos têm seus problemas, suas dificuldades, suas bagunças. Como ter saudade da Idade Média, de pessoas condenadas por nada indo para a fogueira em praça pública, de ser mulher em uma época em que as mulheres praticamente não tinham direitos civis em nenhum lugar do globo?
Eu sei, eu sei. Mas…
Estou falando de um tempo em que, geralmente, quando uma pessoa está falando com outra, está pensando em outra coisa. E, quando está fazendo essa outra coisa, pode apostar: é grande a chance de ela já estar, mais uma vez, com a cabeça em outra coisa.
Estou falando de um tempo em que crianças têm colesterol alto e hipertensão, em que jovens adultos de 30 anos morrem de ataque de coração e em que ovos falsificados são comercializados e o peixe e as verduras, com seu mercúrio e seus agrotóxicos, nem sempre são sinônimos de comida saudável.
Estou falando de um tempo em que as pessoas mal se olham no elevador, no metrô e no ponto de ônibus, porque estão grudadas na tela. Às vezes, parece que o olho no olho virou uma manobra muito íntima, meio invasiva.
Estou falando de um tempo em que tanta gente desenvolveu uma obsessão tão grande pelo dinheiro, pelo consumismo, pela aparência, pela juventude e pela fama que, às vezes, fico pensando: não é melhor me mudar para uma cidade pequena e isolada (e que não tenha sinal de wi-fi), antes que seja tarde demais?
Afinal, estou falando de um tempo em que, entre uma tarefa e outra, a gente se pega fantasiando lugares pequenos, isolados e, acima de tudo, simples. Lá não tem hospital? Não tem escola boa? Em duas semanas lá, eu seria invadida por um tédio sem fim? Talvez, talvez, mas o que a minha cabeça quer, nesses devaneios, é se apegar a uma esperança, ainda que idealizada, de descansar um pouco, de desligar.
Estou falando de um tempo em que, celular na mão, as pessoas estão preocupadas em receber curtidas nos seus posts e aflitas porque não conseguem absorver toda a informação que pipoca nas suas telas, isso me preocupa.
Falando em informação, estou falando de um tempo em que a gente lê notícias como “existe um bordel de orangotangos na Tailândia, onde as fêmeas são escravizadas sexualmente por humanos” e “criança é presa e violentada pelo pai dos 5 aos 15 anos no porão de casa”… E precisa lidar internamente com isso.
(Se você morasse numa tribo indígena no século 16, a quantas notícias ruins e bizarras teria acesso ao longo da sua vida? Você não faria ideia do que estava acontecendo do outro lado do mundo.)
Estou falando de um tempo em que a gente já sabe que Deus morreu, ou, pelo menos, aquele Deus barbudo e ingênuo que ouvia os pedidos dos humanos como se fosse um Papai Noel para adultos. Sobraram: um Deus autoritário e obsoleto que ainda inspira guerras e cabeças decapitadas, ou nada de Deus (e aí sobra vazio existencial e um sem-número de fenômenos não explicados pela ciência) ou então um pós-moderno-Deus-energia, sem forma (que é o Deus em que não sei se acredito, mas que não entendo direito e que até hoje não consegui explicar para mim mesmo).
Estou falando de um tempo em que a gente conhece tanto e tem tanta informação que não sabe o que fazer com todo esse conhecimento e essa informação. Afinal…
Se a gente sabe tanto, como admitir que, no nosso peito, ainda bate essa angústia que não sabemos administrar?
Se a gente tem tanta informação, como é que a humanidade ainda segue sem aprender o básico: respeitar os direitos uns dos outros, não cometer nenhuma atrocidade, não atentar contra os direitos humanos?
É um tempo com pouco espaço para inocência, ingenuidade e limites, mas não é bem isto que aparenta. Escorre exagero e cinismo para onde quer que se olhe: o amante comenta “Belo casal!” na foto da mulher com seu marido, pessoas compartilham na timeline notícias que lemos com os olhos, mas que nem sempre conseguimos digerir com a alma, e todos estão apressados, ansiosos, nervosos, preocupados, caóticos, perguntando-se como suportar tudo o que lateja na cabeça e no peito noites a fundo.
Não importa muito se você tem quinze, trinta ou sessenta anos, o que importa é se está vivo hoje, neste tempo, ou, ao menos, neste espaço temporal-cultural a que estou me referindo. Se está tão imerso e, ao mesmo tempo, cansado destas loucuras que, apesar de saber que a nostalgia não leva a lugar algum e que sim, todo período da história da humanidade teve seus problemas… Você se pega pensando: não importa, tenho certeza absoluta que nunca foi tão difícil viver.