GORDOFOBIA, VOCÊ JÁ SOFREU OU SOFRE?
Ohomem que casar com uma mulher gorda vai preferir trabalhar dobrado, ficar na rua, qualquer coisa, menos voltar para casa e encontrar uma mulher gorda”, disse o líder de uma instituição religiosa em um encontro de jovens entre 17 e 25 anos de idade. Na plateia, Evelyn Daisy pareceu ser a única a se importar. “Todos no salão aceitaram. Eu me senti mal, mas abri meus olhos e entendi que era preconceito”, conta ela, que se define como “preta, gorda, evangélica e feminista” e criou uma marca de roupas justamente com o objetivo de empoderar mulheres gordas e negras que, como ela, usam manequim além do número 52.
Estudos indicam que, apesar dos esforços de conscientização, atitudes preconceituosas explícitas contra gordos aumentaram consideravelmente entre 2001 e 2010. Ainda é mais comum, no entanto, que o preconceito apareça travestido de elogio ou preocupação. Frases como “você tem o rosto tão bonito, por que não emagrece?”, “nossa, eu que sou mais magra que você não tenho coragem de usar biquíni” ou “seu marido é tão magro e você é tão gorda, dá certo?” são ouvidas por mulheres como Evelyn dia sim, outro também. Elas são reflexo da chamada gordofobia, o preconceito ou intolerância contra pessoas gordas.
Enquanto injúria racial e violência contra a mulher são consideradas crime no Brasil, o preconceito com pessoas gordas não apenas passa batido como é até encorajado por órgãos de saúde pública e campanhas de publicidade, especialmente durante o verão, quando os corpos estão mais à mostra. Mas por que, afinal, há tamanha intolerância com o corpo gordo?
Padrões que adoecem
Bernardo Costa sempre foi a única pessoa gorda da família, que o pressionava para emagrecer. Ao começar a frequentar a cena gay do Rio de Janeiro, sentiu vontade de se “montar” como as drag queens que ele tanto admirava. Um dia, vestiu um maiô preto brilhante, fez uma maquiagem elaborada e foi para a pista. “Você não tem vergonha de usar as roupas que usa com esse seu corpo?”, ouviu de um conhecido. A verdade é que não, muito pelo contrário. “Eu me monto e as pessoas me olham torto, às vezes me pergunto se estou me expondo demais. Mas tem que ser na luta, dei minha cara a tapa — alguns gostaram, outros não”, diz. “A gente tem que se soltar. A vida é muito curta, não podemos nos prender a preconceitos.” Mas se soltar não é algo tão fácil: os efeitos da gordofobia também podem ser sentidos na vida emocional e são capazes de abalar o psicológico.
Tamara Greenberg, psicóloga especializada em trauma e saúde mental que atende pacientes em San Francisco (EUA), nota que pessoas estigmatizadas pelo seu peso muitas vezes passam a acreditar que não merecem ser amadas. “Pessoas com sobrepeso são extremamente estigmatizadas e estereotipadas. Eu vi mulheres obesas concluírem que ninguém se sentiria atraído por elas por causa de seu peso, mas isso simplesmente não é verdade”, afirma à GALILEU.
“Elas adotaram essas ideias sobre quem merece atenção com base em ideais de beleza atuais, mas basta olhar uma pintura renascentista para ver como esses ideais mudam.” Segundo Greenberg, a implicância com a obesidade diz mais sobre as pessoas que fazem comentários desnecessários a respeito do corpo alheio do que sobre os próprios obesos. “Aqueles que têm problemas com indivíduos com sobrepeso possuem muitas ansiedades relacionadas a comida”, destaca.
De fato, não são só as pessoas obesas ou com sobrepeso que sofrem gordofobia. Qualquer um que não se encaixe nos padrões de beleza pode se sentir estigmatizado e, como resultado, desenvolver doenças como bulimia e anorexia, problemas comuns entre adolescentes. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma a cada cinco meninas brasileiras com idade entre 13 e 15 anos se acha gorda ou muito gorda. Entre as entrevistadas, apesar de 21,8% se considerarem gordas ou muito gordas, o desejo de perder peso atinge 30,3% delas. É uma ansiedade generalizada, que pode vitimar jovens que levam padrões de beleza a sério demais.
Em São Paulo, segundo pesquisa da Casa do Adolescente, da Secretaria de Estado da Saúde, 77% das adolescentes apresentam propensão a desenvolver algum distúrbio alimentar, seja anorexia, seja bulimia, seja compulsão por comer. Entre as participantes do estudo, 85% acreditam que existe um padrão de beleza imposto pela sociedade; 46% disseram que mulheres magras são mais felizes; e 55% adorariam simplesmente acordar magras. Outro balanço do mesmo órgão apontou que, em média, a cada dois dias uma pessoa é internada por anorexia ou bulimia somente nos hospitais que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo.30