SE INCOMODAR COM SUAS ESCOLHAS? NUNCA MAIS!!
“Agora com essa onda de libertar os cachos, aceitar os crespos ou militar contra a gordofobia, parece até que eu não posso mais escolher alisar meu cabelo ou querer emagrecer”.
Esse raciocínio aparece quase TODO SANTO DIA nas nossas redes sociais. No grupo, por direct, as vezes até mesmo por e-mail. E a gente acaba repetindo sempre a mesma coisa: esse debate não é sobre você, é sobre o coletivo. Individualmente – e teóricamente – toda mulher pode ter o cabelo que quiser, no corpo que ela desejar.
No entanto, precisamos questionar essas escolhas que atendem a um único padrão de beleza e perfeição, por mais que a gente opte por elas. Elas nos são vendidas de maneira inofensiva, como gosto ou escolha pessoal. E isso é feito de forma tão natural que nem pensamos direito sobre, por isso gostamos de bater na tecla desse debate por busca de consciência. Ele é importante pra gente parar pra pensar.
Numa sociedade miscigenada que investe tempo, dinheiro e saúde na busca por um único padrão de beleza eurocêntrico, esse debate de escolhas não é tão simples. O contexto coletivo faz pressão no individuo, que buscando ser aceito, pertencer ou até mesmo para conseguir oportunidades de trabalho, acata aquela pressão como certa sem questionar. E nem precisamos falar que, no caso, o indivíduo em questão é do sexo feminino, certo?
Ter consciência desse contexto não obrigatoriamente vai fazer com que mudemos todas as nossas escolhas. Mas nos faz entender de uma vez por todas que a liberdade do outro não deveria nos incomodar.
Por quê será que um discurso que sempre foi oprimido é visto como uma ditadura?
O problema, a meu ver, é que não é fácil aceitar que hoje você se sente melhor de cabelo liso ou mais magra porque você foi criada recebendo mensagens que cabelo cacheado é feio. Ou que ser gorda é sinônimo de uma pessoa que não se cuida. A gente descobre que nossos pais podem ter reproduzido discursos racistas inconscientemente, que alguém que amamos ou que confiamos é gordofóbico, que tivemos amizades que nos influenciaram de maneira negativa.
Nós fomos educadas a procurar “defeitos” em nós mesmas. Qualquer coisa que fuja disso já é um ato revolucionário de se libertar da falta de amor próprio tão comum entre nós.
Por que a liberdade do outro incomoda?
A liberdade individual de alguém só causa incômodo quando revela algo de nosso ali. Se passamos a vida gastando nosso tempo e dinheiro em busca da magreza, enxergar que essa não é a única opção pode ser desafiador. Por isso, acredito que o outro ser livre só causa uma reação negativa na gente quando nos faz enxergar que estamos presos em alguma alguma crença limitante que, de tanto que foi repetida, virou verdade.
A liberdade das cacheadas não me incomoda, por mais que eu alise. Muito pelo contrário. Justamente por isso eu acho a visibilidade delas fundamental.
Vejo claro como água como foi um gosto construído por uma falta de representatividade ao meu redor. Aprofundando as camadas desse debate enxergo que, mesmo sendo branca, o racismo estrutural é a raiz do preconceito com o cabelo crespo e cacheado, tantas vezes estigmatizado e chamado de “cabelo ruim”. Numa sociedade onde o padrão de beleza é a mulher branca, o cabelo da mulher negra não teria vez mesmo. Precisaria de “um jeitinho”.
Eu imagino que tudo seria diferente se tivesse crescido sob a influência dos movimentos de aceitação capilar. Talvez eu tivesse aprendido a cuidar do meu cabelo, a olhá-lo no espelho e gostar do que via refletido, e talvez minha história seria outra.
Mas não foi. Hoje vejo que seria simplesmente uma questão de preferência pessoal se, socialmente, um cabelo cacheado e um cabelo liso valessem a mesma coisa. E entender isso me ajudou a enxergar a importância do debate coletivo, independente das minhas escolhas individuais.
Acho que agora que eu já me usei como exemplo, quero nos convidar para ir além. Essa discussão fica mais profunda e mais importante quando entendemos a importância do debate coletivo. Como bem pontuou Adhara Ferrari, que participa do nosso grupo:
Vejo que muita gente se incomoda com movimentos de aceitação por pura projeção pessoal. Isso é, quando não estamos seguras, confortáveis ou até mesmo conscientes dos motivos que nos levaram a certas escolhas, nos incomodamos quando vemos alguém seguindo outro caminho – e feliz com ele. Quando essa pessoa consegue exercer a sua liberdade desprendida de um padrão, ela pode se expressar da maneira que quiser. Ser livre assim nos incomoda quando estamos presos. Por isso, as vezes uma simples pergunta feita em relação à nossa escolha incomoda profundamente.
Acho que agora que eu já me usei como exemplo, quero nos convidar para ir além. Essa discussão fica mais profunda e mais importante quando entendemos a importância do debate coletivo:
Será que quando alguém que te pergunta por quê você se gosta mais magra, ou de cabelos alisados, é de fato um julgamento? Será que quando você houve uma influenciadora pregar o amor próprio, isso é uma imposição?
Eu prefiro encarar tudo como um convite para nos fazer enxergar a estrutura que estamos inseridas. Assim fica mais fácil para achar o equilíbrio. Com um olhar mais flexível e menos julgador nós poderemos nos conhecer melhor, com isso ficaremos mais seguras de quem nós somos e o que o outro pensa sobre nós acaba perdendo a força.
Enquanto o mundo só enxergar beleza em um tipo de corpo o conceito de gosto vai seguir atendendo à demanda do outro, em busca de aceitação e pertencimento externo. Quando deveríamos estar investindo na nossa autoestima, na nossa autoaceitação, só que isso não é fácil.
Se você come de forma leve e se exercita porque realmente gosta e se conecta com esse estilo de vida, as escolhas diferentes do outro não vão te incomodar. Se você alisa o cabelo, mas reconhece o contexto, vai ser mais do que normal você incentivar o debate da aceitação capilar. Ter consciência das próprias decisões de forma coletiva traz uma segurança, nos fortalece e assim, a gente não se incomoda quando temos nossas escolhas questionadas. Nesse contexto, conseguimos ser mais flexíveis e fica mais fácil entendermos que questionar os padrões não é nos questionar.